Ensinando-nos Por Seu Exemplo
O livro de Atos dos Apóstolos nos ensina mais por
exemplo do que por mandamento. Ele não apresenta tantos mandamentos para
obedecer, como apresenta padrões para serem seguidos. Uma coisa é sermos
corretos na doutrina; outra, bem diferente, é sermos corretos em nosso andar,
embora ambas as coisas nunca deveriam estar separadas.
Podemos encontrar certas coisas nas Escrituras,
desfrutar delas, e até mesmo falar delas, sem que seu verdadeiro impacto e sua
força não sejam compreendidos enquanto não as experimentarmos na prática. É
provável que os jovens, mais do que os outros, sejam mais propensos a observar
certas verdades, adotando-as de um modo intelectual. Mas no livro de Atos
encontramos vários jovens que obtiveram valiosa instrução, não pela teoria, mas
pela experiência. O benefício de qualquer experiência está diretamente
relacionado ao quanto conhecemos do pensamento de Deus acerca dela. Nunca
devemos atribuir à experiência um peso maior do que a verdade revelada de Deus,
mas é pela experiência que a verdade de Deus é aprendida na prática.
Observamos, nos jovens encontrados no livro de Atos, importantes lições morais
sendo ensinadas.
HIPOCRISIA
Ananias e Safira foram desmascarados por Pedro por
haverem mentido ao Espírito Santo. A devoção deles era maior exteriormente do
que interiormente. Em poucas palavras, eles eram culpados de hipocrisia. Qual
de nós pode se considerar livre disto? Devemos andar sempre julgando-nos a nós
mesmos por causa de nossos corações astutos e traiçoeiros.
Deus expressa, de forma inquestionável, o Seu pensamento
acerca deste mal encontrado entre o Seu povo. Havia jovens presentes, os quais
foram testemunhas do solene juízo que caiu sobre aqueles dois que eram culpados
do fermento dos fariseus (Lc 12:1).
"E Ananias, ouvindo estas palavras, caiu e expirou.
E um grande temor veio sobre todos os que isto ouviram. E, levantando-se os
mancebos, cobriram o morto, e transportando-o para fora, o sepultaram. E,
passando um espaço de quase três horas, entrou também sua mulher, não sabendo o
que havia acontecido. E disse-lhe Pedro: Dize-me, vendestes por tanto aquela
herdade? E ela disse: Sim, por tanto. Então Pedro lhe disse: Porque é que entre
vós vos concertastes para tentar o Espírito do Senhor? Eis aí à porta os pés
dos que sepultaram o teu marido, e também te levarão a ti. E logo caiu aos seus
pés, e expirou. E, entrando os mancebos, acharam-na morta, e a sepultaram junto
de seu marido. E houve um grande temor em toda a igreja e em todos os que
ouviram estas coisas." (At 5:1-11).
Numa época como esta, em que os santos de Deus são
encorajados a falar de si próprios e de sua dedicação ao serviço do Senhor,
possamos prestar atenção à séria lição de Ananias e Safira, que foram mortos
por Deus por sua pretensão de aparentarem estar fazendo e dando mais do que
faziam e davam na realidade. Sem dúvida, aqueles jovens presentes ali nunca
mais se esqueceram daquela experiência. Que grande efeito preservador deveria
ter esse incidente sobre nós, quando somos tentados a exagerar ou chamar a
atenção para nossos débeis esforços de servir ao Senhor. "Quem fala de si
mesmo busca a sua própria glória." (Jo 7:18).
Aqueles jovens tiveram uma experiência ímpar na obra do
Senhor - enterrar dois hipócritas. Aquele era um trabalho necessário então,
como é ainda hoje: enterrar nossas pretensões de espiritualidade e realizações,
qualquer que seja o nível delas. Se estamos nos sentindo cheios de talento por
causa de nosso serviço, é porque ainda temos pouco entendimento das palavras do
Senhor: "Assim também vós, quando fizerdes tudo o que vos for mandado,
dizei: Somos servos inúteis, porque fizemos somente o que devíamos fazer"
(Lc 17:10).
ZELO SEM ENTENDIMENTO
Outro perigo a que os jovens são talvez mais vulneráveis
é o de terem "zelo de Deus, mas não com entendimento" (Rm 10:2). O
apóstolo Paulo, antes de sua conversão, quando era conhecido como Saulo de
Tarso, era um jovem muito zeloso (At 22:3; Fp 3:6). Quando jovem, ele ajudou no
apedrejamento de Estêvão. "E as testemunhas depuseram os seus vestidos aos
pés de um mancebo chamado Saulo." (At 7:58). Talvez ele não tenha atirado
pedras, todavia aprovou o assassinato de Estêvão.
Os judeus já não sabiam o que fazer com Estêvão. Este
atacara suas consciências, convencendo-os, pelo Espírito, de sua culpa e
rebelião. Além disso, o espírito no qual falou era impecável. "E não
podiam resistir à sabedoria, e ao espírito com que falava." (At 6:10).
Entre nós, hoje em dia, a verdade de Deus é com freqüência diminuída por causa
de falhas no espírito, ou por faltas no andar daqueles que a apresentam. Os
judeus não tinham tal desculpa. Tudo o que podiam fazer era se arrepender, ou
então livrar-se daquele que lhes mostrava claramente a posição em que se
encontravam diante de Deus.
As últimas palavras de Estêvão devem ter ressoado nos
ouvidos de Paulo por toda a sua vida. Estêvão clamou: "Senhor, não lhes
imputes este pecado" (At 7:60). No fim da vida de Paulo, ao se referir à
época em que ninguém permaneceu ao seu lado durante a oposição de Alexandre,
ele quase fez eco das palavras de Estêvão, ao dizer: "Que isto lhes não
seja imputado" (2 Tm 4:16). Quão semelhante ao seu Mestre foram Estêvão e
Paulo.
Jesus disse: "Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem" (Lc 23:34).
Precisamos aprender que um espírito correto tem mais
valor do que o zelo. Nada é dito do zelo de Estêvão, embora ele obviamente
fosse zeloso para a glória de Deus. As últimas palavras de Paulo que estão
registradas são: "O Senhor Jesus Cristo seja com o teu espírito. A graça
seja convosco. Amém" (2 Tm 4:22).
INDIFERENÇA
Quando olhamos para Saulo de Tarso, encontramos um jovem
opondo-se à verdade de Deus. Mas em Atos 20 encontramos um jovem indiferente à
verdade de Deus, mais particularmente ao ministério de Paulo que apresenta as
bênçãos, privilégios e responsabilidades cristãs, tanto individual como
coletivamente.
"E no primeiro dia da semana, ajuntando-se os
discípulos para partir o pão, Paulo, que havia de partir no dia seguinte,
falava com eles; e alargou a prática até à meia noite. E havia muitas luzes no
cenáculo onde estavam juntos. E, estando um certo mancebo, por nome Êutico,
assentado numa janela, caiu do terceiro andar, tomado de um sono profundo que
lhe sobreveio durante o extenso discurso de Paulo: e foi levantado morto.
Paulo, porém, descendo, inclinou-se sobre ele e,
abraçando-o, disse: Não vos perturbeis, que a sua alma nele está. E subindo, e
partindo o pão, e comendo, ainda lhes falou largamente até à alvorada; e assim
partiu. E levaram vivo o mancebo, e ficaram não pouco consolados." (At
20:7-12).
Se por um lado esta passagem está repleta de ensino para
nós, por outro, há alguns pontos que são óbvios e que iremos examinar em busca
de pensamentos mais profundos.
Êutico caiu do ministério de Paulo. Paulo restabeleceu
Êutico e o colocou novamente em um lugar onde poderia uma vez mais escutar o
ministério de Paulo.
Uma coisa é falar de restauração, mas outra, e quão
bendita, é conhecer a doçura dela em nossas almas. Com que freqüência temos
"caído" depois de nos tornarmos indiferentes ao ministério de Paulo.
E, com freqüência, é aquele mesmo ministério que tínhamos ignorado, que é usado
em nossa restauração, nos colocando outra vez em uma condição de alma propícia
para desfrutarmos uma vez mais da doutrina de Paulo. A verdadeira restauração
não termina antes de chegar ao terceiro andar. Podemos muito bem questionar a
professa restauração de alguém que tenha pouco interesse no ministério das
Escrituras. Aqui estava um jovem que sabia bem o que é ser restaurado de um
modo bastante significativo. Sem dúvida Êutico, após sua recuperação, passou a
ter um novo apreço por Paulo.
O APREÇO PELA DOUTRINA DE PAULO
Paulo tinha um sobrinho que também lhe dava valor. Quão
encorajador é vermos um jovem que, em meio a toda a oposição religiosa, dava
valor a Paulo. Os judeus não se contentavam em impedir Paulo, eles queriam
exterminá-lo.
"E, quando já era dia, alguns dos judeus fizeram
uma conspiração e juraram dizendo que não comeriam nem beberiam enquanto não
matassem a Paulo. E eram mais de quarenta os que fizeram esta conjuração. E
estes foram ter com os principais dos sacerdotes e anciãos, e disseram:
Conjuramo-nos, sob pena de maldição, a nada provarmos até que matemos a Paulo.
Agora, pois, vós, com o conselho, rogai ao tribuno que vo-lo traga amanhã, como
que querendo saber mais alguma coisa de seus negócios, e, antes que chegue,
estaremos prontos para o matar. E o filho da irmã de Paulo, tendo ouvido acerca
desta cilada, foi e entrou na fortaleza, e o anunciou a Paulo. E Paulo,
chamando a si um dos centuriões, disse: Leva este mancebo ao tribuno, porque
tem alguma coisa que lhe comunicar." (At 23:12-18).
É natural que os jovens queiram ser populares, ou pelo
menos, bem aceitos. O sobrinho de Paulo, mesmo sendo jovem, entendeu que o
ministério celestial de Paulo não era aceito. Do mesmo modo, este ministério
nos colocará em conflito direto com a carne religiosa. Além disso, o sobrinho
de Paulo foi colocado na posição de quem conhece, na prática, o prisioneiro
Paulo. Paulo, "o apóstolo", denota sua autoridade, mas a idéia de
Paulo, "o prisioneiro", revela sua rejeição e a restrição que lhe é
imposta.
A fortaleza onde Paulo se encontrava pode ser uma leve
figura da casa de Deus em sua condição atual, mais parecida com uma
"grande casa" (2 Tm 2:20). Nela, Paulo era um prisioneiro. Do mesmo
modo, hoje a doutrina de Paulo é, com freqüência, restrita pelos limites
impostos pela cristandade. A plenitude de seu ensino é algo que não é desejado
em muitos lugares cristãos, enquanto, em outros, é atacada e minada.
Apesar de seu aprisionamento, ali Paulo foi preservado
ileso. O modo como foi guardado dos judeus é de grande interesse, mas no que
diz respeito ao jovem, sua única responsabilidade era seguir as instruções de
Paulo. Para que o volume de verdades reveladas por Paulo seja preservado,
devemos seguir suas instruções. Não podemos
mudar as circunstâncias - isto é prerrogativa de Deus -
mas podemos obedecer.
Ao escrever aos Tessalonicenses, uma assembléia jovem
assediada por mau ensino, Paulo os encoraja: "Estai firmes e retende as
tradições (instruções) que vos foram ensinadas, seja por palavra, seja por
epístola (carta) nossa" (2 Ts 2:15). Seguirmos as instruções de Paulo nos
preservará e nos manterá sempre que conceitos inteligentes e plausíveis, porém
errôneos, nos forem apresentados.
Aprender na prática que o homem religioso encontra-se em
oposição à doutrina de Paulo; reconhecer Paulo como um prisioneiro, e entender
que seguir suas instruções é o único meio de conservarmos sua doutrina e o
testemunho que dela resulta, são lições de importância vital. O sobrinho de
Paulo não abraçou sua causa por meio de lutas e confrontos, mas pela sujeição
às condições em que foi colocado.
Estes quatro incidentes envolvendo jovens no livro de
Atos deveriam nos despertar para a necessidade de compreendermos, na prática, a
exigência que Deus faz de sermos autênticos, o poder que advém de um espírito
correto, e a importância de se dar valor ao ministério de Paulo, seguindo suas
instruções sem deixar de submeter-se às condições atuais.
W. Brockmeier
Christian Treasury - March 1991
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