EM TEMPO E FORA DE TEMPO
Conversei,
certa ocasião, com o diretor de uma funerária em uma grande cidade, o qual era
cristão. Encontrei-o regozijando nas grandes coisas que Deus havia feito para
ele, e vi que estava sempre pronto para responder àqueles que pudessem
questioná-lo acerca de sua esperança em Cristo. Na verdade, ele parecia estar
bem disposto a falar por seu Senhor, sempre que surgisse uma oportunidade.
Ele
falou-me a respeito das diversas cerimônias religiosas que são feitas nos
funerais hoje em dia. Ele as considerava desanimadoras. Os mortos eram
geralmente elogiados, sem que houvesse qualquer indicação de que tivessem tido
fé, que é o requisito para ser admitido naquelas regiões de bem aventurança
onde é Cristo o centro e tema principal. Nesses funerais não existe um conforto
verdadeiro para os que ficam, e nem tampouco qualquer coisa consistente em que
os vivos possam descansar. As flores e os belos arranjos, com os quais a morte
é cercada, só servem para tentar esconder as implacáveis realidades da morte,
enquanto os sentimentos superficiais e as músicas vazias tendem a obscurecer a
importância que há em nos prepararmos para deixar este mundo.
As
cerimônias fúnebres cobrem um amplo espectro, desde rituais pagãos permeados de
tolices, até cerimônias vazias. São raras as ocasiões em que se tem um
testemunho cristão claro acerca da fé daquele que partiu, e uma apresentação de
Cristo aos que estão perdidos. Mas os pregadores que só têm a oferecer
banalidades vazias, idéias sobre os problemas atuais do mundo, renovação, ou
panacéias psicológicas para suas congregações semana após semana, certamente
expõem sua falibilidade nos funerais. Ali, por trás de toda a bela fachada, a
morte é tão real como sempre foi. Uma pessoa amada acaba de deixar este mundo,
para nunca mais voltar, e os que ficaram poderão logo seguir pelo mesmo
caminho. Palavras de alívio sem a realidade da vida em Cristo não podem nem
consolar os que ficaram, nem oferecer esperança aos vivos. Em muitos funerais
torna-se evidente que os pregadores não passam de guias cegos levando seus
seguidores para o abismo eterno.
Mas
aquele diretor de funerária cristão contou-me algo ainda mais surpreendente.
Ele disse que muitos ministros cristãos verdadeiros, até mesmo aqueles que têm
uma certa reputação por pregarem fielmente o evangelho, costumam evitar pregar
o evangelho em funerais. Eles já não falam da vida e da morte para todas
aquelas pessoas cujas almas encontram-se sem Cristo e sem esperança. E agem
assim com a desculpa de que não se sentem à vontade para pregarem o evangelho a
uma audiência "cativa". Eles querem dizer com isso que aquelas
pessoas não foram ali para, de vontade própria, escutarem o evangelho, mas
apenas como um sinal de respeito para com o que partiu. O fato de aqueles
ouvintes sem salvação possuírem almas de valor inestimável que estão à beira da
eternidade, e que eles precisam desesperadamente de Cristo, não leva tais
pregadores a apresentar-lhes o Senhor Jesus como o único Caminho para a vida.
Sua falsa noção de respeito os leva a um grave descumprimento do dever. Conheço
um cristão que recentemente procurou um pregador de certo renome nos círculos
fundamentalistas, para convidá-lo a pregar o evangelho no funeral de um
parente. Mas seu pedido foi recusado com base nesse argumento vazio, de que
isso seria se aproveitar de uma audiência cativa.
Nos
dias do rei Acabe de Israel, Deus tomou a causa de Israel contra os opressores
da Síria. Em uma certa ocasião os sírios estavam tão destroçados que seu rei,
Benadade, buscou refúgio na cidade dos israelitas, e Acabe, ao invés de agir
por Deus, deixou o inimigo partir em paz, tendo feito um concerto com ele (1 Rs
20). Logo Acabe teve que aprender, por meio do profeta que se disfarçou e que
se apresentou a ele todo sujo, que Deus havia colocado aquele inimigo em sua
mão, e que ele tinha fracassado em agir por Deus contra o inimigo. Tratava-se
de uma questão tremendamente solene para o rei de Israel não aproveitar a
oportunidade que Deus lhe havia dado, trazendo Benadade até ele, e o resultado
foi que a vida de Acabe foi tomada em lugar da vida do homem que ele deixou
escapar.
Vamos
aplicar isto de outra maneira e pensar naqueles incrédulos que, de outro modo
nunca iriam, de vontade própria, a uma pregação do Evangelho, mas que tiveram
suas circunstâncias arranjadas de tal modo por Deus, que não puderam evitar
estar diante de um homem de Deus que podia indicar-lhes a Cristo. Talvez tenha
sido a única oportunidade de suas vidas, terem sido colocados face a face com
um homem que poderia dizer-lhes que se encontravam perdidos, e que a salvação
estava disponível gratuitamente pela fé no Senhor Jesus Cristo. Será que o
servo do Senhor que deixou que eles fossem embora sem serem avisados,
despreparados para se encontrarem com seu Deus, e sem que tivessem sido guiados
ao único Salvador de pecadores, poderia ser considerado sem culpa? Será que uma
negligência tão evidente deveria ser tratada com leviandade?
Timóteo
foi instruído a pregar a Palavra "em tempo e fora de tempo", mas se
fosse hoje ele ficaria limitado às convenções dos homens; ele seria aconselhado
pelos homens a tomar cuidado com os sentimentos das pessoas (muitas das quais à
beira da cova), e iriam lhe dizer que há ocasiões em que a Palavra não deve ser
pregada. A luz seria escondida enquanto as pessoas seguiriam tropeçando nas
trevas. O rico no hades (Lc 16) estava tão preocupado com seus cinco irmãos que
ainda viviam, para que não fossem parar no mesmo lugar horrível onde ele
estava, que rogou a Abraão que enviasse Lázaro para avisá-los. Mas se isso
fosse possível hoje, até Lázaro seria impedido de avisá-los. Não creio que o
rico iria dizer, "Mas tome cuidado para não avisá-los se estiverem, como
audiência cativa, em um local onde não convenha falar-lhes". Seria melhor
que estivessem cativos como audiência, do que cativos onde o rico estava.
Será
que um salva-vidas iria dizer, "Não salvo uma pessoa que esteja se
afogando, a menos que ela deixe bem claro que deseja ser salva"? Sim, pois
ela também é o que se poderia chamar de "audiência cativa", e está
ali como vítima das circunstâncias. Iria ele recusar salvá-la por esta razão?
Será que devemos deixar alguém que se encontra a caminho da destruição
continuar sem ouvir do único meio de escapar, simplesmente porque ele não foi
ao funeral para ouvir isso?
Há
muitas coisas a serem ditas a respeito da pregação do Evangelho em um funeral. Uma
é acerca do fato de que trata-se de uma audiência pronta que está ali. Eles
estão sérios devido à realidade da morte. A frivolidade e leviandade de
espírito que com tanta frequência impede a recepção do Evangelho não se fazem
presentes. E se o que partiu era um cristão, que melhor testemunho poderá
existir do que contar publicamente os fundamentos da confiança que possuía
aquele que partiu, e como isso está também disponível a todos os que aceitarem
a Cristo? Sem as Escrituras, não há como abrir a porta para o futuro, pois só
Deus pode afastar o véu que faz a separação entre vivos e mortos. O melhor que
alguém, que ainda não foi salvo, pode fazer é chegar à beira da eternidade e
dizer: "Estou dando um passo no escuro". Mas não é escuro para o
crente; a morte é apenas o veículo que acelera sua entrada no Paraíso -
"Hoje estarás Comigo no Paraíso" (Lc 23:43). Quando Paulo foi levado
ao Paraíso, escutou coisas impossíveis de serem expressas em linguagem humana,
ou para a mente humana. Aquela glória envolveu de tal maneira sua alma que ele
ficou com um desejo ardente de partir deste mundo e estar com Cristo (2 Co
12:1-4; Fp 1:23).
Até
mesmo a menção da paz, do gozo e da felicidade de alma e espírito do que partiu
desta vida com fé em Cristo já serviria para ter um efeito impulsionador
naqueles que não desfrutam disso. Talvez eles digam: "Tal pessoa tinha
algo digno de se possuir, algo que eu preciso ter".
Concordo
plenamente que a apresentação do Evangelho àqueles que estão congregados em um
funeral deve ser feita com a propriedade que é devida a um ajuntamento solene.
Uma pregação alta e barulhenta seria inconveniente e inadmissível. As maneiras
do pregador não devem servir para trazer críticas à verdade que ele procura
apresentar, mas ainda que um modo gentil e amoroso de apresentar o único
Salvador de pecadores fosse questionado, mesmo assim o homem de Deus não
deveria deixar de falar. Deve ser mostrada consideração para com os que
ficaram, e deve ser evitada uma pregação longa. Jamais deve se dar a impressão de
um discurso. Mas é importante que o pregador não perca de vista a
responsabilidade que tem para com o Senhor.
Um
amigo foi chamado a conduzir a cerimônia em um funeral, o que fez de modo fiel
e com o devido decoro. Naquele dia, entre os que escutavam, estava um jovem com
sua esposa, que acabaram sendo mortos mais tarde, naquele mesmo dia, em um
acidente de automóvel, e seus corpos foram levados ao mesmo velório. Como
estaria a consciência do pregador hoje se ele tivesse evitado falar da
necessidade de um Salvador e da oportunidade de aceitá-Lo? Talvez aquilo tenha
sido usado para a salvação deles antes que fossem lançados na eternidade. E
mesmo que não tenham sido salvos, o pregador livrou a sua própria alma. Foi
isso o que Paulo quis dizer quando escreveu: "Estou limpo do sangue de
todos. Porque nunca deixei de vos anunciar todo o conselho de Deus" (At
20:26-27). Ele fazia, obviamente, referência a Ezequiel 33, onde lemos: "A
ti pois, ó filho do homem, te constituí por atalaia sobre a casa de Israel; tu
pois ouvirás a palavra da Minha boca, e lha anunciarás da Minha parte. Se Eu
disser ao ímpio: Ó ímpio, certamente morrerás; e tu não falares, para desviar o
ímpio do seu caminho, morrerá esse ímpio na sua iniquidade, mas o seu sangue Eu
o demandarei da tua mão. Mas, quando tu tiveres falado para desviar o ímpio do
seu caminho, para que se converta dele, e ele se não converter do seu caminho,
ele morrerá na sua iniquidade, mas tu livraste a tua alma" (vs. 7-9). Não
importa quais sejam as desculpas arranjadas, se ele não avisá-los, é culpado do
seu sangue. Que pensamento solene!
Será
que, quando comparecermos diante do "tribunal de Cristo" (Rm 14:10),
o Senhor precisará mencionar que enviou esta e aquela pessoa para ouvir o
Evangelho de sua boca, e você calou-se? Sabemos que Deus possui outros
instrumentos que pode usar se alguns não forem fiéis; e sabemos também que a
Sua soberania e Seus propósitos se cumprirão, todavia a responsabilidade do
servo é também bem clara. A responsabilidade é medida pelo lugar de privilégio
que o servo ocupa. As parábolas das minas em Lucas 19, e a dos talentos em
Mateus 25, dão testemunho disso. Vemos ali que o servo não é recompensado pelo
seu sucesso, mas pela sua fidelidade.
P. Wilson, Christian Truth, 06/85
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