A passagem supõe que já exista a consciência da perfeita liberdade de graça na qual, como crentes, nós nos encontramos:
- "Portanto agora nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus" - "A lei do espírito da vida... livrou-me da lei do pecado e da morte"
- "Vós, porém, não estais na carne, mas no espírito"
- O Espírito habita em nós e "testifica com o nosso espírito que somos filhos de Deus. E, se nós somos filhos, somos logo herdeiros..."
Todavia, ainda não estamos de posse da herança, exceto naquilo que se refere a sabermos que ela é nossa, e nos encontramos numa criação que geme, ainda sujeita aos efeitos do pecado do homem: estamos ligadas a ela por um corpo que ainda está sujeito à morte, enquanto aguardamos a adoção, isto é, a redenção de nosso corpo. Fomos redimidos; nosso corpo está habitado pelo Espírito, que nos liga com Cristo nos céus, mas no corpo estamos ligados a uma criação que geme.
Fomos salvos na esperança da glória vindoura e aprendemos em paciência a esperar por ela. Numa tal condição, não sabemos o que havemos de pedir como convém, mas o sentimento divino que é produzido em nós pelo Espírito, se expressa por um gemido inexprimível. Mas naquilo em que o Espírito entra, Deus, que perscruta os corações, encontra em nós a mente do Espírito "que segundo Deus intercede pelos santos". Numa condição assim, embora não saibamos o que havemos de pedir como convém, sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus.
A dúvida, se "as acusações do inimigo, e do nosso próprio coração, contribuem juntamente para nosso bem" não caberia aqui; embora Deus possa fazer (e sem dúvida Ele faz) com que elas sejam transformadas para contribuírem para nossa bênção, pois o inimigo foi calado para sempre no que se refere à nossa aceitação para com Deus. O próprio Deus provou a Si mesmo por nós, e nos justificou, de forma que o Espírito Santo pergunta no versículo 33: "Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus?" Ninguém. "Quem os condenará?" Não poderia haver, e nem há efetivamente, acusação contra aqueles que estão em Cristo Jesus.
Quanto às acusações de nosso próprio coração, não temos nada que possa satisfazê-las. Se tivéssemos algo, seria um mau indício. Sabemos que não importa quão profunda seja a descoberta do mal que há em nosso coração, Cristo já o suportou todo, e o pôs de lado para sempre. Não fazemos um juízo suficientemente mau de nós mesmos. A partir do momento em que descobrimos que em nós "não habita bem algum" (Rm 7.18), e nos apossamos de um claro reconhecimento do que somos, que Cristo morreu por nós, e que Ele nos libertou completamente e para sempre, começando a não nos preocupar conosco - teremos chegado à conclusão que tudo o que nos dizia respeito já foi tratado.
O Espírito, que habita em nós, é entristecido com a mais tênue sombra de fracasso ou pecado e, portanto, não leva nossa alma a desfrutar (e nem poderia levar) da posição e da porção que temos. Ele faz com que nos voltemos para olhar o nosso próprio coração a fim de vermos o mal que há nele e tenhamos um exercício de julgar a nós mesmos a esse respeito; talvez seja isso que podemos confundir como "acusações do nosso próprio coração".
A passagem nos mostra, portanto, que em uma tal condição, Deus faz com que todas as coisas contribuam juntamente para o nosso bem (como um precioso consolo em meio às dificuldades e provações) - e desta maneira nosso coração é tranquilizado, na consciência de que os propósitos de Deus são cumpridos em Seu povo e a favor do Seu povo.
F. G. Patterson (Scripture Notes and Queries - 1871)